quinta-feira, 19 de abril de 2007

Cora Coralina: Menor abandonado

Versos amargos para oAno Internacional da Criança, 1979.

De onde vens, criança?
Que mensagem trazes de futuro?
Por que tão cedo esse batismo impuro
que mudou teu nome?

Em que galpão, casebre, invasão, favela,
ficou esquecida tua mãe?...
E teu pai, em que selva escurase perdeu,
perdendo o caminhodo barraco humilde?...


Criança periférica rejeitada...
Teu mundo é um submundo.
Mão nenhuma te valeu na derrapada.


Ao acaso das ruas – nosso encontro.
És tão pequeno... e eu tenho medo.
Medo de você crescer, ser homem.
Medo da espada de teus olhos...
Medo da tua rebeldia antecipada.
Nego a esmola que me pedes.
Culpa-me tua indigência inconsciente.
Revolta-me tua infância desvalida.

Quisera escrever versos de fogo,
e sou mesquinha.
Pudesse eu te ajudar, criança-estigma.
Defender tua causa, cortar tua raizchagada...

És o lema sombrio de uma bandeira
que levanto,pedindo para ti –
Menor Abandonado,Escolas de Artesanato –
Mater et Magistraque possam te salvar, deter a tua queda...

Ninguém comigo na floresta escura...
E o meu grito impotente se perde
na acústica indiferente das cidades.

Escolas de Artesanato para reduziro gigantismo enfermo
da criança enferma é o meu perdido s.o.s.

Estou sozinha na floresta escurae o meu apelo se perdeu inútilna acústica insensível da cidade.

És o infante de um terceiro mundo
em lenta rotação para o encontrodo futuro.

Há um fosso de separação
entre três mundos.E tu –
Menor Abandonado,és a pedra,
o entulho e o aterrodesse fosso.

Quisera a tempo te alcançar,
mudar teu rumo.
De novo te vestir a veste branca
de um novo catecúmeno.
És tanto e tantos teus irmãos
na selva densa...

E eu sozinha na cidade imensa!
“Escolas de ofícios Mãe e Mestra”para tua legião.
Mãe para o amor.Mestra para o ensino.

Passa, criança... Segue o teu destino.
Além é o teu encontro.
Estarás sentado, curvado, taciturno.
Sete “homens bons” te julgarão.Um juiz togado dirá textos de Lei
que nunca entenderás.

- Mais uma vez mudarás de nome.
E dentro de uma casa muito grande
e muito triste – serás um número.

E continuará vertendo inexorável
a fonte poluída de onde vens.

Errante, cansado de vagar,
dormirás como um rafeiroenrodilhado,
vagabundo, clandestinona sombra das cidades
que crescem sem parar.

Há um fosso entre três mundos.
E tu, Menor Abandonado,és o entulho,
as rebarbas e o aterrodesse fosso.

Acorda, Criança,hoje é o teu dia...
Olha, vê como brilha lá longe,
na manchete vibrante dos jornais,
na consciência heróica dos juízes,
no cartaz luminoso da cidade,
o ano internacional da criança.

Cora CoralinaPoemas dos becos de Goiás e estórias mais
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=15845

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